quinta-feira, 20 de novembro de 2008

HÁ CONSCIÊNCIA NEGRA?


Da lavra de Cruz e Souza (1861 - 1898):

25 DE MARÇO

(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o Ceará
Bem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na órbita traçada - de fogo dos obuses.

Da enérgica batalha estóica do Direito
Desaba a escravatura - a lei cujos fossos
Se ergue a consciência - e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.

E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de heróis - presentes pelo dorso
À rubra luz da glória - enquanto voa e zumbe.

O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.


Ps. 1 – poema extraído do site http://www.cruzesousa.com.br/
Ps. 2 – a foto é emprestada do site VIDAS LUSÓFONAS, onde há uma biografia de Cruz e Souza, de autoria de Marise Soares Hansen, narrando um interessante encontro.

5 comentários:

Anônimo disse...

Até quando iremos nos dar o "mea culpa" pelos séculos de escravidão de negros e índios no Brasil? Hoje vivemos outras formas de escravidão e ao que parece tão terríveis quanto, pois estas tecem subrepticiamente uma consciência da concórdia que, cega, alimenta a sua própria escravidão: o desejo do consumo é uma delas... Existe ainda o trabalho escravo nas grandes cidades, alimentado por aqueles da mesma etnia e nacionalidade dos que se submetem a isso, sem esperança. Há o trabalho escravo de crianças, independentemente da cor da pele, que pode fazer lembrar o trabalho nas fábricas da Inglaterra da Revolução Industrial. Enfim, sou a favor da liberdade humana e do respeito pelas diferenças, independente da cor, raça e religião. Nada de cotas, nada de favoritismos. Uma consciência livre que receba o outro e que o trate com dignidade e respeito. Será utopia isso tudo? Talvez por isso, para assegurar a utopia, tenhamos uma Declaração dos Direitos do Homem...
Abraços!
Susanna.

Anônimo disse...

Eu, cheio de preconceitos, racista!

Eu, com falsos conceitos, neo-nazista!

Eu, detestando pretos.

Eu, sem coração...

Eu, perdido num coreto, gritando: "-Separação!"

Eu, você, nós...nós todos, cheios de preconceitos. Fugindo como se eles carregassem lodo, lodo na cor ...e com petulância, arrogância, afastando a pele irmã.

...Mas, estou pensando agora: E quando chegar a minha hora??? Meu Deus, se eu morresse amanhã, de manhã??? Numa viagem esquisita, entre nuvens feias e bonitas, se eu chegasse lá? E um porteiro manco, como os aleijados que eu gozei viesse abrir a porta, e eu reparasse sua vista torta, igual aquela que eu critiqei? Se sua mão tateasse pelo trinco, como as mãos do cego que não ajudei? Se a porta rangesse, chorando os choros que provoquei? Se uma criança me tomasse pela mão, criança como aquela que não embalei...? E me levasse por um corredor florido, colorido, como as flores que eu jamais dei? Se eu sentisse o chão frio, como dos presídios que não visitei? Se eu visse as paredes caindo, como das creches e asilos que não ajudei?...e se a criança tirasse corpos do caminho, corpos que eu não levantei dando desculpas que eram bêbedos, mas era epiléticos, que era vagabundagem, mas era fome.

Meu Deus! Agora me assusta pronunciar seu nome!

E se mais prá frente a criança cobrisse um corpo nu, da prostituta que eu usei, ou do moribundo que não olhei, ou da velha que não respeitei, ou da mãe que não amei...? Corpo de alguém exposto, jogado por minha causa, porque não estendi a mão, porque no amor fiz pausa e dei, sei lá, dei só desgosto.

E, no fim do corredor, o início da decepção!

Que raiva, que desespero se visse o mecânico, o operário, aquele vizinho, o maldito funcionário e até, até o padeiro, todos sorrindo não sei de quê...Ah! sei sim, rirem da minha decepção.

Deus não está vestido de ouro, mas como???

Está num simples trono.

Simples como não fui, humilde como não sou.

Deus decepção!

Deus na cor que eu não queria, Deus cara-a-cara, face-a-face sem aquela imponente classe.

Deus simples! Deus negro!

Deus negro e eu...racista, egoísta.

E agora???

Na terra só persegui os pretos. Não aluguei casa, não apertei a mão.

Meu Deus você é negro, que desilusão.

Será que vai me dar uma morada? Será que vai apertar minha mão?

Que nada! Meu Deus, você é negro, que decepção!

Não dei emprego, virei o rosto.

E agora?

Será que vai me dar um canto, vai me cobrir com seu manto? Ou vai virar o rosto no embalo da bofetada que dei???

Deus, eu não podia adivinhar porque você se fez assim?

Por que se fez preto, preto como o engraxte, -aquele que espulsei da frente de casa.

Deus, pregaram você na cruz e você me pregou uma peça, eu me esforcei a bessa em tantas coisas, e cheguei até a pensar em amor, mas nunca, nunca pensei em adivinhar sua cor!

(Poema extraído do livro "DEUS NEGRO", de Neimar de Barros)

Anônimo disse...

Começo o comentário agradecendo ao Valmir por compartilhar conosco este lindo poema de Neimar Barros.

Eu acredito que exista apenas uma raça, a raça humana, que ao longo da história cometeu e comete injustiças absurdas com seus pares. Ontem vi um senador (branco) dizendo que não há que se falar em cotas e sim priorizar o ensino na escola pública e que, desta forma, todos terão a mesma chance nos vestibulares. Concordo plenamente com ele. No entanto, o Excelentíssimo Senador esqueceu-se que referido processo, se colocado em prática, será lento. O que fazer nesse período? Essa resposta o Excelentíssimo prefere ignorar.

Em frente a minha casa, na cidade de Cosmópolis/SP, há uma família de negros, que diga-se de passagem, são nossos melhores vizinhos, pessoas íntegras, trabalhadoras e honestas. Todos pedreiros, pintores de parede, ajudantes geral. No entanto, há na família um garoto que atualmente cursa odontologia na UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, graças ao sistema de cotas. Vejo que a história da família começa a mudar a partir desse momento com a oportunidade oferecida e bem aproveitada pelo esforçado garoto.

Shasça disse...

Sei que você é a favor da liberdade humana, Susanna. Acontece que tem um mundo girando e as pessoas precisam de oportunidades, hoje. A questão é que o presente exige soluções presentes. Cruz e Souza precisava de oportunidade enquanto estava vivo.
Quanto à escravidão nos dias de hoje, ela acontece nos canaviais e laranjais paulistas, sob o olhar benevolente do governo e dos habitantes do estado que é, na verdade, o mito econômico brasileiro.
Claro que estou generalizando.
[ ]'s

Anônimo disse...

Concordo com vc sobre dar oportunidades hj a quem não tem. E medidas paliativas são construídas. O problema é que esse tipo de ação pode se tornar a regra: e novamente estaremos acomodadamente mamando no governo, esperando que ele nos oferte favores. Será que queremos perpetuar o hoje? Exigir do governo uma política educacional democrática tendo em vista os impostos que pagamos faz parte de uma ação para fomentar a oportunidade igual para todos. Sei que tudo é dificil e que levará tempo. Mas não aceito essa política de favoritismo por parte do governo: ela fere os princípios democráticos que ele não consegue assegurar em bases mais sólidas. A sociedade tem de mudar, meu amigo. O respeito mútuo e nossa visão das diferenças tem de mudar para que possamos nos abraçar de fato. Se não, que as águas de março carreguem nossas esperanças... (Dá para comparar a época em que viveu Cruz e Sousa com a atual?)