terça-feira, 25 de novembro de 2008

A CAUSA DAS TRAGÉDIAS


A causa das tragédias é sempre humana.
Minha recordação mais antiga de inundação é de 1959. Tinha, à época, quatro anos de idade e morava em Belo Horizonte – MG. O Ribeirão Arruda, que corta a cidade, alagava tudo e suas águas arrastavam tudo em seu caminho. De lá pra cá, mudaram-se vereadores, prefeitos e governadores; nasceram e morreram milhares de eleitores, pelos mais diferentes motivos, sendo alguns pelas águas do dito córrego. Também mudaram a cor e o modelo dos móveis flutuantes nas águas revoltas. No mais...
A cultura judaico-cristã (por favor, não confundam com sentimento religioso) só permite o “mea culpa” em termos do relacionamento com o místico. Nosso comportamento quase nunca é objeto de reflexão. Não gostamos se incomodações internas.
Muito antes das chuvas que, por cerca de quatro meses, têm caído sobre boa parte de Santa Catarina, as pessoas menos desavisadas já sabiam que desmatamentos provocam enchentes, que vales e várzeas são o natural caminho das águas e que a Lei da Gravidade também atua sobre encostas habitadas ou beirando estradas. O que foi feito em relação ao estilo de planejamento da ocupação e uso do solo lá em Belo Horizonte pós-59, no Vale do Itajaí pós-83 (por exemplo) e em quase todo o país desde então? O que foi feito para que os profundos cortes em morros não se transformem em inesperados aterramentos de estradas e pessoas? Praticamente nada, como o sabemos.
A atual tragédia repetir-se-á? Muito provavelmente, sim.
A não ser que nós, moradores de áreas de risco ou não, reflitamos sobre o que temos escolhido em termos de políticas públicas e solicitemos de governantes e legisladores, qualquer que seja o partido, um outro estilo de administrar nosso viver. Porque a responsabilidade por tragédias como a que vivemos no momento é dos que escolhem, não dos escolhidos. Principalmente, por causa do que solicitamos da parte destes.
Com a palavra, os que ainda podem usá-la. Caso queiram, é claro!
E boa sorte pra nós todos!

Ps.: a foto foi emprestada do site oficial do
STAMMTISCH e retrata a enchente de 1911, em Blumenau - SC

5 comentários:

Anônimo disse...

Como uma praga de gafanhotos, pulgas ou piolhos, eles vão se reproduzindo e querendo todo o leite da mãe terra, cada um para si. E, como tal, vão se espalhando rapidamente ocupando todas as áreas, se alimentado do que vier pela frente, provocando uma coceira doida na mãe terra.
E ela, bem... De tanto abanar, abate um ou outro gafanhoto no vôo; no coça-coça desesperado, cata uma meia dúzia de piolhos e espirra umas pulgas para longe, até que, desesperada, compra um tubão de humanocida e passa em seu avantajado e rotundo corpo.
Pobre mãe, seu corpo também sofre com o veneno: sobe sua temperatura, ora se desidrata, ora fica inchada de líquidos, caem seus cabelos, reviram-lhe as tripas!
Mas, resoluta, ela segue tomando o antihumanótico, pois nada é tão avassalador, lhe dá tanto trabalho e lhe consome tanta energia, quanto aquela massa de humanóides que agora se retorce agonizando.

Anônimo disse...

Essa questão de que o escolhido não é o culpado e sim quem escolhe dá pano pra manga até na minha cabeça. Recebi uma mensagem outro dia que dizia "Está na hora de pararmos que desejar um mundo melhor para nossos filhos e começar a fazer filhos melhores para o mundo", que diz a mesma coisa de outra forma. Também está na hora de pararmos de culpar banqueiros,industriais e políticos pela degradação da natureza e tomar essa responsabilidade para nós que queremos banho quente, computador novo, carro novo, apartamento novo, tv lcd e todas "maravilhas" modernas que são as reais degradadoras do ambiente. Ou seja, nós mesmos! Tem jeito? Claro que não! Vai explicar prum cara sem qualquer formação que o radinho novo dele também é culpado pela mudança de clima!

Anônimo disse...

que qui é issoooo! e ninguém sabe que chuva forte provoca inundação? e ninguém sabe que desmatamento provoca desmoronamento! e ninguém sabe que jogar um palito no chão provoca lixo! tudo isto é pura novidade!!! ps: prezado autor, qual é seu emeiul? seu santo nome está sendo citado por uma certa turma de campinas/paulínia. me comunica que boto você na roda.

saci.bola@yahoo.com.br

daarquibancada.zip.net

Anônimo disse...

LÁGRIMAS DE CHUVA
Nilvana Koppe

Aos irmãos catarinenses em 29/11/2008.


O CÉU COMEÇOU A CHORAR.
DIA APÓS DIA A CHUVA DESCE E EM FORMA DE LÁGRIMAS LAVA A TERRA, ENGRANDECE O VOLUME DOS RIOS QUE LEVA COM FORÇA A FRAGILIDADE MATERIAL E HUMANA.
O CÉU COMEÇOU A CHORAR E IRONICAMENTE ABRIRAM-SE FENDAS E AS ENCOSTAS DA TERRA SE DESNUDAM EM LÁGRIMAS VERMELHAS.
O CÉU COMEÇOU A CHORAR E A BENÇÃO QUE OUTRORA RENOVOU A VIDA MISTURA-SE ÀS LÁGRIMAS HUMANAS QUE BUSCAM CONSOLO DENTRO DO LEITO ÚMIDO E FRIO.
EM DESESPERO A TERRA FERIDA, NUM ENORME ABRAÇO SEPULTA AS VIDAS E TUDO AQUILO QUE SOBRE ELA TEM.
LÁGRIMAS QUE CHORAM A IDENTIDADE PERDIDA DE MUITOS HOMENS DE BRAÇOS FORTES, DE TANTAS MULHERES GERADORAS DE VIDA.
O CÉU COMEÇOU A CHORAR E AGORA AS TUAS LÁGRIMAS DE MEDO, ANSIEDADE, EMOÇÃO E LUTO JUNTAM-SE ÀS LÁGRIMAS DE TANTOS OUTROS BRASILEIROS, IRMÃOS SOLIDÁRIOS QUE TRAZEM ALIMENTOS, ACONCHEGO E ESPERANÇA.
ESTE POVO TEM CORAGEM.
HERDEIROS DE CORAÇÕES FORTES RETORNARÃO AO TRABALHO E SERÁ RECONSTITUÍDA A SUA IDENTIDADE ASSIM QUE SECAREM AS LÁGRIMAS DE CHUVA.

Anônimo disse...

O comentário não é meu, mas da ex-ministra, que se tornou um símbolo da defesa do meio-ambiente no Brasil, Marina da Silva.



A dor que nunca passa
Marina Silva
De Brasília (DF) - Portal Terra

Nos anos 1970, quando abriam a BR-364 no Acre, ela cortou ao meio o Seringal
Bagaço, onde eu morava com minha família. À derrubada da mata seguiu-se uma
epidemia violenta e incontrolável de sarampo e malária.

Era gente doente ou morrendo em quase todas as casas. Perdi um primo e meu
tio Pedro Ney, que foi uma das pessoas mais importantes da minha infância.
Morreu minha irmã de quase dois anos e, quinze dias depois, outra irmã, de
seis meses. Seis meses depois, morreu minha mãe. Tudo era avassalador,
assustador. Uma dor enorme, extrema, que nunca passou. Para sair disso,
tivemos que reconstruir, praticamente, o sentido inteiro do mundo. Aceitar o
inaceitável, mas carregá-lo para sempre dentro de si. Ir em frente,
enfrentar a dureza do cotidiano, sobreviver, cuidar dos outros. Viver,
enfim, e dar muito valor à vida e às pessoas.

Em 1985, numa das maiores enchentes do rio Acre em Rio Branco, eu morava no
bairro Cidade Nova, na periferia da cidade, numa pequena casa de onde
tivemos que sair às pressas, levando o que foi possível numa canoa. O resto
foi levado pelas águas, inclusive o único retrato que tínhamos de minha mãe.


Penso agora nisso tudo e acho que consigo entender o que sentem os
catarinenses, mas ainda estou longe de alcançar o significado estarrecedor
de uma perda tão total e instantânea como a que sofreram.

Na escuridão, o morro descendo, destruindo tudo, a busca desesperada pelos
filhos, a impotência. E, depois, descobrir-se só em meio ao caos: acabou a
casa, foram-se as pessoas amadas, o lugar no mundo. Não há mais nada, só a
vida física e a força do espírito.

Meus filhos andam pela casa com todo vigor, com toda a beleza da juventude,
e sequer consigo imaginar o que seria, de uma hora para outra, vê-los
engolidos pela terra, debaixo de toneladas de escombros ou mutilados para o
resto da vida. É algo terrível demais até no plano da imaginação. Fere a
própria alma tão fundo que chega a ser impossível entender plenamente a
profunda tristeza de quem enfrenta essa realidade.

Na Londres de 1624, os sinos da catedral de São Paulo, onde o poeta John
Donne era o Deão, tocavam quase ininterruptamente anunciando as milhares de
mortes causadas pela peste. Atingido por grave enfermidade (que chegou a ser
confundida com a peste) Donne escreveu então um de seus textos mais
conhecidos, a Meditação XVII: "Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo;
cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo
mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse
uma parte de teus amigos ou mesmo tua; a morte de qualquer homem me diminui,
porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca mandes indagar por quem
os sinos dobram. Eles dobram por ti."

Hoje, no mundo, os sinos dobram por todos nós e para nos acordar. Grandes
desastres podem virar acontecimentos corriqueiros. Não se pode afirmar
peremptoriamente que a tragédia de Santa Catarina deriva, em linha direta,
das mudanças climáticas identificadas no relatório do IPCC, o Painel
Internacional de Mudanças Climáticas da ONU. Mas em tudo se assemelha às
previsões de possíveis impactos da mudança no clima do sul do Brasil, até o
final do século 21.

A natureza, numa pedagogia sinistra, parece exemplificar o que significam
esses fenômenos extremos que, em várias regiões do planeta, tenderão a
provocar períodos de seca muito mais severos e outros com precipitações
intensas.

As ações de mitigação necessárias e as adaptações para enfrentar esses
efeitos e reduzir nossa vulnerabilidade diante deles ainda são precárias e
estão atrasadas. Os países ricos, detentores de recursos, conhecimento e
tecnologia, já avançam em medidas para se proteger. As piores conseqüências
deverão recair sobre os países pobres e os em desenvolvimento. A urgência é
auto-explicável. Não é um cientista quem o diz e nem um livro. É a natureza,
cujos avisos e alertas têm sido insanamente ignorados.

O Brasil, que ontem lançou o seu Plano Nacional de Mudanças Climáticas, não
tem como deixar de fazer a sua parte, mesmo sem os meios disponíveis nos
países ricos. O acontecido em Santa Catarina é um sintoma e deve ser seguido
de um esforço de grandes proporções, de início imediato, para tentar evitar
que se repita.

É preciso que cada um de nós, autoridades públicas, empresas e cidadãos,
pensemos nos mortos, nas famílias inteiras soterradas, nas vidas destroçadas
debaixo do barro, antes de sermos tolerantes com ocupação em encostas, com
destruição de matas ciliares, com o adensamento de áreas de risco, com
mudanças de conveniência nas legislações. Não há mais espaço para empurrar
os problemas ambientais com a barriga, como tentam fazer alguns, e deixar
para "o próximo" o ônus de medidas ditas antipáticas. A omissão que ceifa
vidas humanas tem que acabar, mesmo à custa de incompreensões.

Nos tempos atuais, há mais um componente na agenda ética: não se deixar
corromper diante das pressões para ignorar a proteção ambiental e as medidas
de precaução exigidas pela intensificação dos fenômenos naturais. Quem detém
algum tipo de representação pública deve se convencer de que é preciso mudar
profunda, rápida e estruturalmente os usos e costumes, de modo a preparar o
País para um futuro de sérios desafios ambientais. Cada vez mais, não é só
uma questão de errar, corrigir o erro e aprender com ele. Agora a palavra de
ordem é prevenir o erro, para que não se repitam os olhares perdidos, os
rostos esvaziados, o choro inconsolável, a desesperança e as mortes que
vimos nesses últimos dias em Santa Catarina.

Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre e
ex-ministra do Meio Ambiente.